quinta-feira, 2 de julho de 2015

Como unir liberdade de imprensa e regulação da mídia


Por Beatriz Atihe

Foto: Isabel Flávia da Silva
Com a aprovação da Lei de Meios no Uruguai em dezembro de 2014, a polêmica em torno da regulamentação da imprensa ganhou fôlego. Enquanto muita gente enxerga a iniciativa de regulamentação como imposição de limites, controle de conteúdo e consequente prejuízo à democracia, os simpáticos à reforma a entendem como um incentivo a mais pela liberdade de expressão, já que o controle ficaria sob a responsabilidade de entidades da sociedade civil, com um processo transparente e flexível.

Mediador do debate, o jornalista e escritor Eugênio Bucci se disse favorável à regulamentação de mídia no Brasil, apesar de reconhecer um viés autoritário no modelo adotado por alguns dos países vizinhos. "Com certeza existem vários elementos autoritários na lei de meios da Venezuela, e a mesma coisa digo para o Equador", falou, pedindo detalhes sobre essas diferenças para os palestrantes.

O editor-executivo do Observacom Gustavo Gómez, que foi conselheiro do ex-presidente uruguaio José Mujica explicou, em palestra realizada no 10º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo da Abraji, que na América Latina existem diferentes modelos sendo adotados. "As pessoas estão enganadas quando acreditam que a regulamentação pode ser feita apenas em países com governos progressistas ou de esquerda. A principal questão é saber qual modelo adotar", disse.

Na opinião de Gómez, a lei adotada no Uruguai tem como objetivo justamente combater a censura. "Dos 200 artigos, apenas cinco regulamentam o conteúdo. A prioridade da lei é assegurar a informação". Ele afirmou que uma das principais diferenças entre os modelos existentes na América Latina é a relação dos mecanismos com o governo. "No Uruguai, os mecanismos são independentes, cada um age de uma maneira. Já na Venezuela e no Equador as decisões são tomadas de acordo com o governo". Dentre as cláusulas da lei uruguaia existe ainda uma que fala sobre a não obrigatoriedade de fazer uma pauta caso ela vá contra a consciência do repórter. "Com isso, conseguimos promover e garantir a diversidade e pluralidade dos meios".

O editor da Associated Press (AP) Thomas Kent endossou a visão de Gómez, e defendeu que o ideal seria uma regulamentação que priorizasse a liberdade de expressão e um código de ética público e bem delimitado. "A principal pergunta que deve ser feita é quem a lei está realmente tentando regular: os veículos que atingem milhões de pessoas, os blogues, as redes sociais. É preciso pensar quem é o jornalista".

Redes sociais

Kent também ressaltou que, atualmente, é necessário discutir sobre o fenômeno das redes sociais. Para ele, a informação está disponível em toda a parte, mas é função do jornalista trabalhar esta informação com os princípios básicos da profissão, como rigor na apuração e confirmação dos fatos. "Hoje todo mundo tem acesso a qualquer informação. O jornalista tem que ter um papel amplo, pois isso também é exercer a liberdade de expressão". Para o editor, a era digital tem um papel fundamental no fortalecimento do jornalismo. "A internet faz com que o poder da notícia sempre volte para a imprensa. Muitos podem não gostar disso, mas é um fato".

Sobre os parâmetros de controle adotados pela AP, Kent explica que um dos maiores problemas que enfrentam são os discursos de ódio propagados pela rede. A AP tem como regra não servir de plataforma para a disseminação desses tipos de discurso. "Quando teve o atentado ao jornal Charlie Hebdo, nós decidimos não publicar as charges, porque entendemos que era uma maneira de atacar uma religião repetidamente. Essa decisão nos custou bastante críticas".

Kent acredita que a ideia de regulamentar a imprensa deve partir da própria imprensa. 'Não conheço um país onde a imprensa esteja totalmente satisfeita. Em conceitos editoriais, eu penso que, para uma regulamentação funcionar de maneira eficiente, precisaria ter pouquíssimas limitações de conteúdo. Um governo bom é aquele que menos atua na liberdade de expressão".

O 10º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo é uma realização da Abraji e da Universidade Anhembi Morumbi com o patrocínio do Google, O Globo, Estadão, Folha de S. Paulo, Gol, Itaú, Oi, TAM, Twitter e UOL, e apoio da ABERT (Associação Brasileira de Rádio e Televisão), ANJ (Associação Nacional de Jornais), Comunique-se, Conspiração, Consulado Geral dos Estados Unidos no Brasil, FAAP, Fórum de Direitos de Acesso à Informações Públicas, Jornalistas & Cia., Knight Center for Journalism in the Americas, OBORÉ Projetos Especiais, Textual e UNESCO. Desde sua 5ª edição, a cobertura oficial é realizada por estudantes do Repórter do Futuro, sob a tutela de coordenadores do Projeto e diretores da Abraji.

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