quinta-feira, 2 de julho de 2015

Como fazer reportagem seguindo rastros das empresas de capital aberto

Por Juliana Domingos de Lima


Foto: Alice Vergueiro
Além de esclarecer termos do universo árido da contabilidade, o jornalista e colunista do Valor Econômico Fernando Torres traçou hoje, no 10º Congresso da Abraji, em São Paulo, caminhos para a cobertura de empresas privadas de capital aberto. O jornalista se dedicou a esmiuçar quais informações divulgadas merecem atenção e quais outras maquiam a situação financeira de uma empresa.

Torres recomenda o site da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) como fonte para a consulta de dados - ele é mais seguro que os números divulgados pelas assessorias das empresas. Segundo Torres, os documentos para jornalistas são mais mastigados, mas podem conter informações que "douram a pílula" do assessorado.

No CVM é possível verificar o balanço oficial e o documento de informações trimestrais (ITR), ou ainda a demonstração completa oficial, caso a busca seja por valores anuais. Nos releases, valores seguidos do termo "ajustado" requerem cuidado por parte do jornalista, já que fogem do padrão contábil oficial. "Sem ter familiaridade com a empresa, você não tem condições de avaliar se o ajuste é devido ou não", explicou.

No Valor Econômico, disse que o padrão é divulgar o número oficial, aceito pelo auditor. A recomendação, para não se deixar enganar pelo "ajuste", é divulgar ambos (oficial e ajustado). A diferenciação entre ambos também pode ser uma informação importante, que pode valer uma explicação.

Passo a passo

O caminho da apuração indicado pelo jornalista segue o seguinte meandro: primeiro, chama atenção para o parecer do auditor, no qual deve-se verificar ressalvas, sinal de que alguma conta no balanço está errada. Priorizar esse documento garante que não se perca tempo com números equivocados ou distorcidos.

Em seguida, a análise da variação do lucro líquido da empresa, sempre em relação a outras medidas. O crescimento da companhia nunca deve ser analisado isoladamente, sem verificar se houve aumento das despesas, da receita, do pagamento de juros, permitindo buscar, por exemplo, uma variação discrepante entre lucro líquido e receita, ou outras relações que podem indicar informação relevante para o jornalista. Observar esses valores, para Torres, é a chave para fazer perguntas sobre o balanço de uma empresa.

Por fim, a verificação das muitas notas explicativas costuma render: merecem destaque, para encontrar detalhes que se tornem pautas, a nota que trata de provisões de contingência, onde se pode encontrar os processos contra a empresa, a nota de partes relacionadas, que mostra ações entre empresas de um grupo, onde podem surgir pagamentos suspeitos e questionáveis. A nota de empréstimos e financiamentos, que expõe os bancos e pessoas que emprestam dinheiro para aquela empresa e a quais juros e também as notas de passivo atuarial, que mostram compromisso com fundos de pensão ou pagamento de plano de saúde de funcionários, também relevante em caso de déficit, que no balanço acaba ficando escondido.

Foto: Alice Vergueiro
Torres chama atenção para a divulgação do Formulário de Referência das empresas, pelo CVM. Este formulário é anual e seu vazamento acontece até 31 de maio. O destaque vai para os capítulos 4, que diz respeito aos fatores de risco, onde, segundo ele, é descrito tudo que "pode dar errado" com a empresa no futuro; o 10, que concerne ao comentário dos diretores da empresa, avaliação feita de sua situação financeira em que são forçados a comunicar o endividamento e se há fraudes na contabilidade; e por fim, o 13, da remuneração de administradores, que não emite valores pessoais mas permite calcular uma média salarial útil para estabelecer comparações entre empresas do mesmo setor e até mesmo explicar comportamentos diferentes entre elas: empresas que pagam mais ou pagam grandes bônus tendem a ser muito mais agressivas.

O 10º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo é uma realização da Abraji e da Universidade Anhembi Morumbi com o patrocínio do Google, O Globo, Estadão, Folha de S. Paulo, Gol, Itaú, Oi, TAM, Twitter e UOL, e apoio da ABERT (Associação Brasileira de Rádio e Televisão), ANJ (Associação Nacional de Jornais), Comunique-se, Conspiração, Consulado Geral dos Estados Unidos no Brasil, FAAP, Fórum de Direitos de Acesso à Informações Públicas, Jornalistas & Cia., Knight Center for Journalism in the Americas, OBORÉ Projetos Especiais, Textual e UNESCO. Desde sua 5ª edição, a cobertura oficial é realizada por estudantes do Repórter do Futuro, sob a tutela de coordenadores do Projeto e diretores da Abraji.

Nenhum comentário:

Postar um comentário