quinta-feira, 2 de julho de 2015

Universidade e movimentos sociais: estudantes debatem os bastidores das reportagens

Por Camila Alvarenga

Foto: Camila Alvarenga
Foi lendo um especial do jornal cearense, "O Diário do Nordeste", que a estudante Bárbara Rocha, da Universidade Federal do Ceará, conheceu a personagem que iria inspirar o seu primeiro grande desafio: o trabalho de conclusão de curso, essencial para se formar em jornalismo. A história de Pequena, primeira cacique do Brasil, da tribo Jenipapo-Kanindé, localizada na região metropolitana de Fortaleza, foi contada no livro-reportagem "Mulheres da Encantada", que aborda ainda as histórias de outras mulheres da tribo.


"Quando resolvi fazer o trabalho, sabia que meu universo era totalmente diferente da questão indígena. Eu sabia que eu queria falar sobre gente que geralmente tem muita coisa pra falar e é esquecida, apesar de ser importante", conta a jovem jornalista.

O resultado norteou o debate da primeira mesa sobre TCC's, logo na estreia do 10º Congresso Internacional de Jornalismo da Abraji, que contou ainda com outro trabalho sobre movimentos sociais: o livro "13 de junho - Histórias de uma noite de guerra em São Paulo", escrito pelo trio Fernanda Ferreira Santos, Bárbara Libório e Nicolas Iory, da Universidade Metodista de São Paulo, que traz 40 entrevistas realizadas com pessoas que participaram, direta ou indiretamente, da manifestação ocorrida no dia 13 de junho de 2013.  "Quando a gente começou a pensar no nosso TCC, a gente queria fazer uma coisa enorme: fazer sobre todos os dias de junho, em todas as cidades e viajar! Mas a gente se viu numa situação em que tivemos que afunilar: fomos então para o mês de junho, em São Paulo, aí percebemos que o dia 13 foi o dia 'D', e decidimos fazer sobre ele", disse Bárbara Libório, uma das autoras do livro.

Em comum, a discussão sobre técnicas de reportagem e entrevista, e os bastidores de toda a trabalheiras das reportagens.

"Encantadas"
Para conseguir levar as particularidades da aldeia aos leitores, Rocha passou por um extenso processo de pesquisa, que durou um ano e meio. A produção incluiu questionar a credibilidade de veículos de comunicação, artigos etnográficos, consultar especialistas, fazer diversas visitas à comunidade - incluindo passar quatro dias dormindo em uma das casas da aldeia - e, claro, realizar longas entrevistas. "Muitas pessoas que sabiam do meu trabalho me perguntavam: 'Ah, mas no Ceará tem índio?', 'Quando você vai pra lá, você dorme em oca?', 'Eles andam pintados?'. E eu falava que não, que não dormiam em ocas, não andavam pintados. E me respondiam: 'Então eles não são mais índios'. Mas eles são", destaca.

Para concluir a obra, ela acabou escolhendo três personagens, todas mulheres, para serem as vozes do grupo. O primeiro capítulo é dedicado à Pequena, considerada a "primeira cacique mulher do país", guardiã da memória da aldeia e atual líder dos Jenipapo-Kanindé. No relato, ela conta como os costumes da tribo foram se perdendo aos poucos, conforme os membros foram entrando em contato com a realidade fora da aldeia. Costumes e tradições que ela luta para recuperar, como lendas e até religião.

Já o segundo capítulo é protagonizado por Juliana, a cacique Irê, uma das filhas e herdeira da cacique Pequena, e o terceiro acompanha Raquel, de 16 anos, neta de Pequena. "Eu acho que o jornalismo tem potencial para levantar debates importantes sobre diversas questões que devem ser discutidas e eu acho que a questão indígena, sobre diversas perspectivas, deve ser discutida", argumenta a autora.

Da polícia aos manifestantes: diferentes visões sobre o mesmo dia

Foto: Camila Alvarenga
Em junho de 2013 surgiram uma série de eventos que acabaram ficando conhecidos como "Jornadas de Junho": foram várias manifestações em protesto contra o aumento da tarifa dos ônibus, não apenas na capital mas em todo o país - de R$ 3,00 as passagens saltariam para R$ 3,20, o que causou grande comoção dentro de todo um contexto de outras demandas, historicamente debatidas pelos movimentos sociais. Lideradas pelo Movimento Passe Livre (MPL), as jornadas ficaram conhecidas, sobretudo, por dois motivos: a ampla adesão popular e a truculência empregada pela polícia para conter o movimento.

No livro, os estudantes escolheram o dia 13 que acabou se mostrando o mais violento: 241 pessoas foram detidas e pelo menos uma centena de vítimas ficaram feridas, de acordo com o MPL. Dividido em seis capítulos, a reportagem também conta com o prefácio de Lúcio Gregori, Secretário de Transportes de São Paulo durante o mandato de Luiza Erundina, e o primeiro a elaborar um projeto de "Tarifa Zero" na capital, em 1990. "Para falar com o Cabo foi muito difícil. A gente ia no posto onde ele fazia ronda, no MASP, e ele nunca estava. Eu ia numa terça e diziam que ele estaria na quinta, eu ia na quinta, diziam que ele estaria na segunda. Até que eu fui e me disseram que ele ia para São José dos Campos e estava na delegacia, terminando de assinar os papéis e provavelmente já tinha ido embora. Eu fui correndo e, quando cheguei, ele já estava no estacionamento saindo. Mas consegui falar com ele e a gente marcou uma entrevista uma semana depois, em São José", conta Fernanda.

O 10º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo é uma realização da Abraji e da Universidade Anhembi Morumbi com o patrocínio do Google, O Globo, Estadão, Folha de S. Paulo, Gol, Itaú, Oi, TAM, Twitter e UOL, e apoio da ABERT (Associação Brasileira de Rádio e Televisão), ANJ (Associação Nacional de Jornais), Comunique-se, Conspiração, Consulado Geral dos Estados Unidos no Brasil, FAAP, Fórum de Direitos de Acesso à Informações Públicas, Jornalistas & Cia., Knight Center for Journalism in the Americas, OBORÉ Projetos Especiais, Textual e UNESCO. Desde sua 5ª edição, a cobertura oficial é realizada por estudantes do Repórter do Futuro, sob a tutela de coordenadores do Projeto e diretores da Abraji.

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