sábado, 4 de julho de 2015

'Histórias humanas' dependem de empatia e confiança com a fonte

Por Sara Abdo
Foto: Camila Andrade
Nas coberturas "duras" do jornalismo, sobre política e economia, a relação entre repórter e fonte é frequentemente marcada pela desconfiança, mas, para revelar histórias e perfis humanos, de pessoas muitas vezes distantes da realidade do leitor, é preciso confiança, acesso e empatia. São 'personagens' assim que emergem das reportagens de Fabiana Moraes, repórter do Jornal do Commercio, de Recife, em Pernambuco.

Ela conversou com jornalistas sobre a delicada relação repórter-fonte, no 10º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo, em São Paulo. Fabiana usou como principal exemplo a experiência que teve durante a apuração da troca de sexo de Joicy, protagonista do livro lançado durante o evento. "Com cinco meses de reportagem me mostraram, várias vezes, que a relação não é delicada e nem estável." 

Para ela, o primeiro passo para estabelecer contato com a fonte é mostra-se atenta e disponível para ouvir. Fabiana conta que passa um bom tempo sem anotar ou gravar para deixar o entrevistado à vontade e confiante. "Dificilmente alguém não quer ser ouvido. E falam muito mais quando percebem que a reportagem não terá o foco no que são, o que fazem, do que se alimentam", mas no "como" fazem isso. Usar o micro para descrever o macro, segundo Fabiana, também é uma chamada para a vaidade da fonte. Abordar um tema de ampla importância social a partir da história de vida de um cidadão é humanizar a narrativa.

No caso da matéria que virou livro "O nascimento de Joicy", a jornalista acompanhou parte do processo de mudança de sexo de um personagem e contextualizou a situação de pobreza, a mudança de comportamento de demais envolvidos antes e depois da cirurgia e os medos e incompreensões de muitos que vivem a situação.

Fabiana defendeu que mesmo em situações diferentes da vida do repórter, ele precisa entender que as pessoas são parecidas e há coisas em comum entre repórter e fonte. Entretanto, se essa similaridade, por um lado, facilita a aproximação entre as partes, complica a relação entre elas na medida em que a vida de um impacta na vida do outro. "Chega um momento em que se percebe um cansaço, uma invasão". É ai que cada profissional tem o seu próprio limite de envolvimento.

A repórter citou Leon Dash, do Washington Post. Ele acredita que, nesses casos, o limite é estreito. Após o fim de uma apuração, Dash recusou um presente de uma fonte. "Não sou amigo, sou jornalista", disse, segundo ela. Fabiana, por sua vez, confessou que já ajudou financeiramente alguns de seus entrevistados e não se arrepende. "Ao ver uma situação tão diferente e inferior, não podia dizer tchau, ir para casa, ligar o Netflix e só reencontrar aquela história no outro dia", disse.

O poder da imagem

A jornalista disse que a preocupação com a ilustração das reportagens não deve ser menor do que as entrevistas e convivências. "Podemos usar imagem para dizer mais, para contrapor, para repensar o lugar com o qual as fontes são vinculadas", explicou. Fabiana usou como exemplo sua reportagem Casa Grande Senzala, que acompanhou um caso de meninas estupradas por policiais.

À época, Fabiana se preocupou em retratá-las de costas, com vestidos brancos quase longos, em lugares muito distintos dos canais e esquinas onde as crianças costumam ser vistas. A jornalista comparou as imagens que pensou com o que usualmente é feito por grande parte da mídia – as meninas no centro de Recife, vestida com pouca roupa e com tarja preta nos olhos, já que são menores de idade.

Se juntamos o conhecidamente nobre ao que é menosprezado, é possível desconstruir uma ideia. Fabiana exemplificou: "Na reportagem Casa Grande Senzala, colocamos as meninas para serem fotografadas na Fundação Joaquim Nabuco, um ícone da nobreza intelectual". A desconstrução da ideia também foi feita na foto capa de "O Nascimento de Joicy", com a ilustração de Sandro Botticelli e Joicy em uma página só.

O 10º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo é uma realização da Abraji e da Universidade Anhembi Morumbi com o patrocínio do Google, O Globo, Estadão, Folha de S. Paulo, Gol, Itaú, Oi, TAM, Twitter e UOL, e apoio da ABERT (Associação Brasileira de Rádio e Televisão), ANJ (Associação Nacional de Jornais), Comunique-se, Conspiração, Consulado Geral dos Estados Unidos no Brasil, FAAP, Fórum de Direitos de Acesso à Informações Públicas, Jornalistas & Cia., Knight Center for Journalism in the Americas, OBORÉ Projetos Especiais, Textual e UNESCO. Desde sua 5ª edição, a cobertura oficial é realizada por estudantes do Repórter do Futuro, sob a tutela de coordenadores do Projeto e diretores da Abraji.

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