sábado, 4 de julho de 2015

Editor da Veja dá passo a passo de como construir uma grande-reportagem

Por Pâmela Ellen

Foto: Phillippe Watanabe
Para jogar luz em um caso esquecido e trazer a verdadeira história contextualizada à tona André Petry, editor da revista Veja, se debruçou durante seis meses na apuração da grande-reportagem "Terror silencioso", que aborda o assassinato do cineasta Eduardo Coutinho. Hoje, durante a mesa "Coutinho e o terror silencioso", no 10º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo, o jornalista contou passo a passo como o trabalho foi produzido.


A tragédia, que aconteceu em fevereiro de 2014, foi veiculada nos principais noticiários do país durante uma semana. Depois, como de costume, perdeu grau de interesse, pelo menos da mídia. No entanto, tomou fôlego em 10 páginas da edição de 11 de fevereiro deste ano da revista da Editora Abril, quando o editor notou o grau de curiosidade que a história ainda poderia gerar. Para ele, quem determina o que é notícia, ou não, é a mídia, não o leitor. "No momento em que a imprensa esquece [dos casos, o fato], não tem lição [de vida] nenhuma", diz.

Ex-correspondente da Veja nos Estados Unidos, Prety se inspirou no jornalismo do país, especialmente pelo trabalho do jornalista Andrew Solomon, da revista The New Yorker, para escrever o caso. A reportagem "The Reckoning", que conta um caso de parricídio --quando um filho mata o pai, foi ponto de partida para a ideia da pauta nascer e ser sugerida à direção da revista.

A partir desse momento, Petry começou a "fazer a lição de casa". Além de realizar entrevistas, leu o inquérito, viu vídeos sobre Coutinho, buscou influências na literatura, se aprofundou em questões sobre a doença do assassino e acompanhou pessoalmente os depoimentos no tribunal. "Isso tudo é muito importante para que você veja as pessoas, a fragilidade, como elas se comportam, o tom de voz, isso tudo compõe uma história", acredita.

Coutinho foi assassinado a facadas pelo seu filho Daniel em seu apartamento na Lagoa, zona sul do Rio de Janeiro, o que fez o jornalista esperar da apuração por uma história de parricídio. A descoberta foi além.

Daniel era esquizofrênico, confirmando o que a imprensa deduziu à época, no entanto, passou anos sem o diagnóstico da doença. O casamento dos pais também não estava bem e a relação com o irmão era de inimizade. "É preciso ter abertura e sensibilidade para deixar a história te conduzir", aconselha.

Para realizar a entrevista com Pedro Coutinho, filho do cineasta, Petry primeiro quis conhecê-lo e apresentar seu objetivo antes de marcar uma entrevista. O jornalista recomenda que em casos de crime ou tragédia familiar é preciso ser sensível e ter tato com os entrevistados. "Tem perguntas que não se pode fazer na primeira entrevista, precisa passar confiança para a fonte. Quando ela se abre, não pode perder [a oportunidade]", afirma Petry. "O entrevistado tem que sentir que você é o melhor porta-voz para ele".

Petry considera Pedro como o entrevistado fundamental e o fio-condutor para que a reportagem pudesse ser feita. Além de ter feito uma conversa inicial em Petrópolis, realizou outras três entrevistas, totalizando quatro horas de material gravado –técnica que o jornalista confessa dificilmente usar, para ele, o gravador é "um instrumento de constrangimento" e pode intimidar o entrevistado.

Outro aspecto importante da reportagem que Petry cita é a clareza, o jornalista orienta que, para ter um bom texto, é preciso escrever, reler, reescrever e, se possível, entregar para outra pessoa ler e dizer se entendeu o conteúdo.

AUDIÊNCIA
A grande-reportagem de Coutinho contradiz o senso-comum e, apesar de ser extensa, alavancou a audiência do site da Veja. Foram mais de 30 mil visitantes únicos que leram a história de Coutinho por Petry.

"Todo mundo diz que com a internet ninguém mais quer ler reportagem longa. Mas minha matéria provou o contrário", afirma.

Ele também recebeu feedbacks de leitores que conheciam e tinham histórias semelhantes. Ou seja, ele criou empatia nos leitores com a reportagem. O leque de informação se estendeu para além do assassinato de Coutinho e abordou também a esquizofrenia.

"Se o leitor esquece o que tinha para fazer para ler sua reportagem, você cumpriu sua tarefa [como repórter]", diz ele sobre as histórias que ouviu após a publicação.

Questionado como acha que Coutinho interpretaria sua reportagem, Prety não tem dúvidas: "ele acharia um escândalo, muitos não sabiam da doença de seu filho, mas eu quis fazer algo delicado, não expus a tragédia".

Vender a pauta à direção da revista, segundo ele, foi fácil e a decisão editorial, depois da publicação, foi de produzir mais grandes-reportagens. "Mas não conseguimos, veio o passaralho [demissão de jornalistas]".

O material de Petry pode ganhar um livro-reportagem em breve com todo o conteúdo da investigação.

O editor concluiu com o sexto "segredo" que ajudou seu trabalho: "a sorte é o último elemento [para um jornalista], sem ela não é possível".

O 10º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo é uma realização da Abraji e da Universidade Anhembi Morumbi com o patrocínio do Google, O Globo, Estadão, Folha de S. Paulo, Gol, Itaú, Oi, TAM, Twitter e UOL, e apoio da ABERT (Associação Brasileira de Rádio e Televisão), ANJ (Associação Nacional de Jornais), Comunique-se, Conspiração, Consulado Geral dos Estados Unidos no Brasil, FAAP, Fórum de Direitos de Acesso à Informações Públicas, Jornalistas & Cia., Knight Center for Journalism in the Americas, OBORÉ Projetos Especiais, Textual e UNESCO. Desde sua 5ª edição, a cobertura oficial é realizada por estudantes do Repórter do Futuro, sob a tutela de coordenadores do Projeto e diretores da Abraji.

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