sexta-feira, 3 de julho de 2015

Moro fala da Lava Jato e da relação com o jornalismo investigativo

Por Sara Abdo Rezende

Foto: Phillippe Watanabe
O juiz da Operação Lava Jato, Sérgio Moro, falou nesta sexta-feira (3) a jornalistas que participam do 10 º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo. Entrevistado por Roberto d'Ávila no palco do auditório da Universidade Anhembi-Morumbi, em São Paulo, o juiz se mostrou à vontade no papel de atração principal do evento, fazendo elogios à imprensa e defendendo os critérios da investigação.


Embora seja frequentemente saudado pela celeridade à frente da Lava Jato, Moro também vem sendo confrontado por juristas que veem nas prisões preventivas certo açodamento que poderia pôr em risco o direito de defesa e a presunção de inocência dos acusados. Numa mesa paralela do mesmo congresso, advogados de defesa dos réus criticaram o papel do juiz paranaense à frente do caso. Ele disse que não trabalha para perseguir o ex-presidente Lula e que se atém às provas apresentadas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público. O juiz criticou a morosidade da justiça e afirmou que há leniência no Brasil com os chamados "crimes de colarinho branco".



Moro se mostrou relaxado, mas cauteloso. Em mais de um momento, arrancou risos – como quando comentou seu figurino, sempre de camisa preta, e como quando falou repetidas vezes do desejo de sair de "longas férias" depois de terminar o julgamento do caso mais importante de sua carreira. Disse que a exposição e a publicidade sobre si mesmo o incomodam, e se recusou a responder perguntas sobre hábitos, preferências pessoais e história de infância, para, em seguida, afirmar que "não deveria estar aqui (no Congresso)". Questionado sobre a razão de aceitar o convite, justificou: "vim mostrar que não sou uma besta fera".

A audiência, formada por jornalistas, muitos deles envolvidos na cobertura do caso, se frustrou quando o juiz manteve a tradicional recusa de comentar aspectos particulares da investigação, confrontar declarações de juízes do STF e até mesmo da presidente Dilma Rousseff (PT), que, na segunda-feira, em Nova York, comparou os delatores da Lava Jato a traidores da Inconfidência Mineira e a presos políticos que entregaram seus pares sob tortura na ditadura militar.





Antes de entrar no palco, ainda nos bastidores Moro rebateu as acusações de que faça vazamentos seletivos, dizendo que ter levantado o sigilo do processo "em primeiro lugar porque a constituição determina que os processos sejam, em regra, públicos". Ele ressaltou ainda que em "crimes contra a administração pública, é ainda mais imperativo ter esse sigilo levantado". Só não é divulgado "o que prejudica a investigação", segundo ele.



A seguir, os principais trechos da entrevista:

Como o senhor vê o ódio que existe contra o PT hoje?

Tem muita coisa que eu não vou poder falar hoje, devido ao andamento do processo da Lava Jato. Eu vejo com preocupação a polarização excessiva, acirramento dessas discussões. Particularmente eu tenho que tocar a minha atividade com profissionalismo. Não me lembro de proferir decisões ou ser ofensivo em relação à qualquer pessoa, seja acusado, investigado, ou advogados. Vejo preocupação quando o debate cai para o nível ofensivo, mesmo em relação ao investigado, ou ao PT, mas também em relação à minha pessoa. Às vezes fico assustado com o nível baixo das palavras.

O senhor já se sentiu ameaçado alguma vez?

Em concreto, diria que não. A minha praxe pessoal e de todos os juízes que agem profissionalmente, trato todos como senhor, senhora. Todo mundo tem que ser tratado com respeito, mesmo quem cometeu um crime, independentemente das circunstâncias.

Foto: Phillippe Watanabe 
Você foi criado no interior do Paraná. Como foi a sua formação?
Não acho que tenha nada de extraordinário na minha formação que destacaria. Sou filho de professores, em uma época em que os salários dos professores eram melhores. Acho que tive uma boa formação educacional. Me formei na Universidade Estadual de Maringá, depois fiz pós-graduação na Universidade Federal do paraná.

Você começou a se interessar por direito como?

Isso é interessante. Quando fui escolher fazer vestibular pensei em jornalismo ou direito. Optei por direito por motivos circunstanciais. Mas só comecei a gostar do curso lá pelo terceiro ano.

Você foi juiz muito jovem. Não acha que esse tipo de profissão requer mais idade para julgar as pessoas?

Concordo com sua observação. Na época, não tínhamos exigência para que o juiz, quando fizesse o concurso, deveria ter três anos de experiência na carreira jurídica. Mas, por outro lado, existem diversas vagas de juízes que precisam ser preenchias. Então os tribunais trabalham com uma lógica bastante pragmática de que precisam de juízes, mesmo jovens, [melhor] do que nenhum. Mas evidente que experiência, tempo, maturidade, são elementos importantes para o trabalho do juiz. A própria experiência da magistratura é o maior motor da maturidade para um juiz.

Li em 2009 que você estava desiludido, pelo menos tinha comentado com amigos, que pretendia fazer apenas os crimes de máfia, sair um pouco dos crimes de colarinho branco, porque achava que esses processos não andavam.

Aquilo foi mais um desabafo. Existe uma insatisfação geral da população em relação ao judiciário. Os processos são muito lentos. Isso é válido tanto para a justiça criminal quanto para a cível. Situações corriqueiras como acidente de transito, muitas vezes as pessoas passam anos na justiça buscando reparação. Quando os casos são graves a demora angustia ainda mais. E além de o nosso sistema ser lento, moroso e ineficiente, ele também e mais ineficiente em relação a determinados casos, entre eles os de colarinho branco. Foi isso que eu coloquei no artigo, de que o sistema não está bom, independentemente do caso concreto. Isso tem que ser uma preocupação geral, porque o sistema não está aí para servir juízes, e sim a sociedade.
Foto: Phillippe Watanabe 

E aí você criou as varas especializadas?

As varas especializadas foram uma proposta que veio do conselho da justiça eleitoral, por volta do ano de 2003. O grande padrinho dessas varas especializadas no crime de lavagem financeira foi o então ministro Gilson Dipp. E, circunstancialmente, a vara que foi especializada em Curitiba em 2003 era a minha vara.

Convivi muito com o Leonel Brizola e ele disse que o mais difícil para o homem público é ser justo. Você acha que consegue ser totalmente imparcial?

Um juiz, como qualquer pessoa, nunca se desprende da natureza humana dele. Ele tem certos valores, compreensões da vida, do que é correto e errado. Agora, a obrigação dele é decidir de acordo com a lei, os fatos e as provas. Por isso já absolvi pessoas que no meu íntimo acreditava serem culpadas mas os autos do processo mostravam o contrário.

Li numa entrevista sua para o jornal Folha de S Paulo, em 2008, que diz o seguinte: a lei deve ser a expressão da vontade popular. O juiz deve decidir respeitando a lei, mas não deve esquecer da necessidade dos julgamentos refletirem uma modificação da realidade. Poderia explicar melhor? Não é perigoso que a lei seja a expressão da vontade popular?

Essa é a essência do regime democrático, onde a maioria parlamentar decide e coloca a sua vontade na forma de lei. Há uma crença de que essa maioria popular representa a maioria da população. Claro que há questionamentos relacionados à representatividade, se a população em geral está ou não representada no parlamento, mas o juiz está vinculado à lei.

Tem que ache que você se comporta como promotor e juiz ao mesmo tempo. Pode comentar?

Acho que toda decisão judicial é passível de crítica. Agora é importante que as pessoas se informem também. Como juiz, atuo de maneira extremamente reativa. No sentido de que decido os requerimentos que o Ministério Público, a polícia e os advogados me apresentam. Iniciativas de ofício, a lei permite que o juiz tome, ele mesmo, a iniciativa. Mas particularmente nestes casos de grande repercussão tenho sido extremamente cuidadoso. As pessoas falam isso sem ter conhecimento de causa.

Advogados falam que o senhor, nos seus despachos, antecipa a postura condenatória. Isso procede?

Olha, o juiz, para decidir um requerimento, ele tem que pronunciar sobre os fatos e as provas, e ele faz um juízo provisório. Para decretar a prisão de alguém, claro que deve fazer um exame das provas, não pode ser uma decisão absolutamente abstrata. Mas não é algo diferente do que fez o STF na AP470. É importante do juiz a imparcialidade e que ele esteja sempre aberto para que, ao final do processo, possa mudar o seu entendimento segundo as provas que foram apresentadas. Não concordo com esse tipo de crítica e acho que isso é feito numa tentativa de de deslegitimar o juiz.

Foto: Phillippe Watanabe 
Acha que o Lava Jato é uma continuidade do Mensalão, no sentido de acelerar a justiça?

Muita gente me fala isso, que a AP470 mudou o País, e que esse caso que está na minha mão também vai mudar o país. Acho que o que devemos pensar como cidadãos, e a imprensa tem papel importante nisso, é que não devemos ficar dependentes de casos esporádicos de ação mais ou menos eficiente da justiça. É importante pensarmos na reforma da instituição como um todo. A preocupação que tem que existir é o que fazer para reformar o nosso sistema para que esses casos não sejam exceções.

Você quer mudar a lei, depois da primeira instância o sujeito condenado já ser preso...

Muito se discute a presunção de inocência em dois aspectos. O principal delas, que não pode ser alterado de forma alguma, e que você só condena criminalmente alguém quando se tem certeza da sua responsabilidade criminal. Outra questão diz respeito à prisão no decorrer do processo. Em geral, no mundo inteiro, a prisão antes do julgamento é uma exceção, e deve ser mesmo para garantir o amplo direito de defesa.

Mas isso não tem acontecido na Lava Jato, né?

Não, essas prisões são decretadas como exceção, sempre fundamentadas no que diz a legislação brasileira. Pode-se, eventualmente, criticar e discordar, mas a minha perspectiva dessas prisões é de que elas são excepcionais.

E esses vazamentos que saem na imprensa sobre a Lava Jato? Depois, quando a pessoa acaba absolvida isso não mancha a vida dela, por ter sido julgada pela imprensa?

Aí é um comentário interessante, porque é julgada pela imprensa...

Sim, a imprensa só noticia o que ela recebe...

Veja, o que acontece é que temos na Constituição que os processos devem ser públicos, e os processos envolvendo crimes contra a administração pública deve ser mais público ainda. Porque isso permite um escrutínio da sociedade civil e da imprensa, não só em relação ao próprio crime praticado, mas em relação ao trabalho da justiça. A mais ampla publicidade possível é boa nesse sentido. No caso do mensalão, por exemplo, o que foi o mais correto? A população ter acesso a todas as informações deste caso desde o início, ou era para ter se mantido em sigilo as investigações para que se preservasse as pessoas que depois do julgamento foram absolvidas? É sempre uma decisão difícil. Mas essa decisão já foi tomada pela Constituição. 

Foto: Phillippe Watanabe 
Só para descontrair um pouco, um jornalista amigo meu de Brasília diz que o senhor balizou a classe média do Brasil. Só a classe média que não tem amigos na cadeia hoje. É uma brincadeira, mas eu achei muito engraçado. O senhor já se arrependeu de alguma sentença?

Olha, puxando pela memória, acredito que não. Agora, nenhum sistema de justiça é infalível. Então é possível que eu tenha cometido... Não se tem a pretensão de ter um acerto em 100% dos casos. Por isso que se tem aí determinadas regras de segurança. Não só as instâncias, mas a própria questão da prova. Então existe uma série de regras a seguir, que tentam ser observadas sempre.

É claro que o senhor é juiz, mas o senhor se preocupa com a questão da economia. Várias empresas hoje estão demitindo muita gente e podem até quebrar. Isso é uma preocupação para o senhor?

Faço uma metáfora, talvez uma metáfora ruim. Policial que descobre cadáver não é culpado pelo homicídio. Eu acho que uma série de problemas vinham se acumulando há tanto tempo sem uma resposta adequada por parte das instituições, que, de repente, esses problemas começaram a aparecer de uma maneira muito clara e o custo de solução deles é extremamente grande. Mas qual seria o custo da continuidade, né? Os contratos públicos cada vez mais custosos, obras que nunca terminam. Então, se toma um exemplo do próprio âmbito da Petrobras, da refinaria do Nordeste ao nosso caso da investigação do processo, ele começou basicamente em 2014. Era uma refinaria que era para estar pronta em 2010. Em 2014, não estava pronta e já custava, segundo pelo menos é apontado, dezenas de vezes o valor inicial. Então tem um custo pra sociedade brasileira que é extremamente significativo. Eu acho que a resposta institucional e esse custo no médio prazo será também vantagem do ponto de vista econômico.

Como é que o senhor vê a questão do foro privilegiado para parlamentares e ministros?

Olha, eu particularmente vejo esse instituto não muito com viés positivo, porque de certa maneira ele é contrário ao princípio da igualdade.

Ao mesmo tempo o parlamentar tem que estar protegido para poder exercer bem seu mandato.

Sim, mas existe a imunidade parlamentar, de palavra diante do parlamento de que ele não pode ser responsabilizado criminalmente. E outra situação é quando ele é responsabilizado por condutas criminais fora do parlamento, e existe o foro privilegiado. Eu vejo de uma maneira muito negativa.

Agora é interessante que eu até já vi o processo e as discussões sérias (e as vezes acontecem discussões sérias) se é melhor ou não ser processado em última instância ou desde a primeira instância, porque tem vantagens e tem benefícios. Então na última instância as possibilidades de recursos evidentemente são quase nenhuma, enquanto se julgado desde a primeira instância existem múltiplas instâncias e recursos em nosso sistema. Pensando o foro privilegiado como uma maneira de ter uma responsabilização, possibilidade de controle e responsabilização mais efetiva de maus feitos pelos nossos governantes, essa é uma perspectiva positiva. Agora pensado de outra forma, como um reforço a proteção deles, eu tenho particularmente minhas dúvidas acerca da necessidade.

Eu gostava muito de gibi e quadrinhos quando era criança e sempre vinha aulas frases do homem aranha: Quanto maior os poderes, maiores as responsabilidades, acho que o sistema deve ser construído em cima disso. Os governantes têm mais responsabilidades e um tratamento mais favorável ao meu ver não se justifica. Eu acho que, às vezes, a ânsia de fazer justiça pode pesar um pouco. O senhor já pensou sobre isso? Todo sistema de justiça, seja no Brasil, seja no exterior, é passível de erros. Então a gente tem que se auto-policiar com os excessos, mas isso é uma vigilância constante. Eventualmente pode acontecer.

Foto: Phillippe Watanabe 

O Brasil é o País que mais tem pessoas presas no mundo. O Projeto PL 5402 vai contribuir ou reduzir esse comportamento?

O PL é PLS402 - Projeto de Lei do Senado 402. O projeto de encarceramento é realmente preocupante mas também temos que ver o outro lado de que as taxas de criminalidade no Brasil são extremamente significativas. Então, comparando esses dados por 100 habitantes, é difícil chegar a uma conclusão quanto a ela. Mas esse tipo de argumento para os meus casos não se coloca porque são 600 e tantos mil presos, mas quantos criminosos de colarinho branco estão entre esses presos? E certamente isso pode-se até questionar a taxa de encarceramento no Brasil, mas, com certeza, a prisão de criminosos de colarinho branco não chega a ser um problema para essa estatística. E o projeto, na verdade, eu não creio que altere significativamente o quadro, mas o resultado, provavelmente seria o mesmo ao final.

O eventual jornalista Moro faria o lide do juiz Moro no caso do Lava-Jato?

Faria o quê?

É uma expressão jornalística para a primeira parte da matéria, o principal dela


Eu colocaria assim: ‘Juiz Moro quer férias’.

Não ia fazer sucesso…

Pergunta: Entrei aqui com muita facilidade. O senhor teme por sua segurança?

Agora eu fiquei preocupado. Será que foi um ‘sniper’ a última pessoa que entrou? Mas eu não comento questões de segurança, por questões de segurança.

Se o processo é público porque não se “vaza” integralmente o conteúdo das delações, mas sim alguma seletividade? É uma publicidade?

Não. O processo tem, produtivamente, duas fases: enquanto está em investigação é necessário sigilo para sua eficácia. O conteúdo seja desses depoimentos de colaboradores, seja qualquer conteúdo, deve permanecer em sigilo. Por exemplo: Houve o pedido de bloqueio de contas bancárias no Principado de Mônaco. Enquanto não for feito bloqueio, não pode haver publicidade sobre isso. Quando for feito o bloqueio, aí pode-se levantar a publicidade. A questão da prova da colaboração segue a mesma regra. Agora, no momento em que isso não tem mais necessidade de sigilo, isso tem sido disponibilizado. Não tem seletividade.

Alguém de Maringá fez a seguinte pergunta: ‘Quando o senhor se aposentar, pensa em atuar na política? Uma eventual candidatura à Prefeitura de Maringá está em seus planos?’

Como eu disse, os meus planos para quando me aposentar são as minhas férias. Não tenho nenhuma pretensão política.

O senhor se declarou impedido por razões de foro íntimo de atuar no caso que envolveu o doleiro Youssef. Por que? E o que mudou de lá para cá?

Olha, essa é uma questão muito concreta do processo, embora eu tenha até proferido uma decisão a esse respeito, eu não comentaria aqui. Mas alguns defensores entraram no que eles chamam de exceção de impedimento a respeito dessa questão e eu preferi uma decisão do que eu escutei de todos esses fatos e essas exceções foram rejeitadas por unanimidade no Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Então, entrar em detalhes concretos aqui não me parece que seja o caso.

Como o senhor vê a relação entre o julgamento da Lava Jato e a operação Mãos Limpas da Itália?

Eu escrevi aquele artigo em 2007 que era um comentário sobre aquilo e nem era um comentário muito profundo, era um pequeno texto. Muitas vezes se faz essa comparação, Eu acho que existe pontos de similaridades, embora pelos números, até pelos números que o senhor colocou aqui, eles são maiores de pessoas investigadas. Ao que me consta, nos primeiros três anos foram presas lá cerca de 800 pessoas e isso teve um impacto na vida política italiana. Então, guardadas as devidas proporções, algumas questões são similares, no sentido de que, também, no caso da Itália revelava era um sistema de corrupção extremamente grande e que não tinha uma resposta adequada do Judiciário italiano há muito tempo.

De repente, as coisas foram aparecendo e aos borbotões, gerando todo aquele impacto na vida política italiana. E eu acho que o caso também nos permite aqui o argumento da necessidade de se confiar não apenas no caso concreto para mudanças efetivas, mas em reformas de sistema, né? A experiência italiana merece todos os elogios, acho que foi realmente interessante, teve um impacto positivo na Itália, mas depois existe lá a situação que é paradoxal de alguém que foi investigado na operação ter se tornado primeiro-ministro, que foi o Berlusconi.

Então eu acho que é importante que confiemos não só no tesouro, que é uma expressão do Ministro Barroso, e no ponto fora da curva. Nós temos que pensar que o sistema tem que funcionar como regra e, para isso, espera que exemplos circunstanciais tenham impacto positivo. Mas não podemos ficar dependendo de atos de ferro, precisamos mudar o sistema legal, com leis, aperfeiçoamento do sistema de controle de gestão pública, dentro dos próprios empresariais, sistemas mais robustos de “compliance”, menos tolerância com a corrupção e dentro do judiciário nós temos processos mais rápidos. 

Foto: Phillippe Watanabe 

Só para lembrar aquele caso da Itália na quela discussão entre Juiz e condenado, o condenado fez aquela fala muito inteligente e muito humana de que há três anos ele não via o mar e era a primeira vez que ele saia da cadeia e uma plateia como essa o aplaudiu. E o juiz Francesco Grego disse: “Poxa, parece que aqui o culpado sou eu. Então deixa eu aproveitar para te perguntar: ‘onde estão aqueles 5 milhões que eu não achei até hoje?". Então às vezes as investigações não se confirmam.

É claro que ninguém tem prazer em punir realmente alguém, mas existem escolhas que são feitas pelo indivíduo e que o colocaram naquela situação. Então, no caso de condenação, nós não podemos excluir a responsabilidade do indivíduo por coisas que ele fez.

Muitas vezes nos compadecemos por casos concretos, pela situação individual e claro que a pena é sempre um sofrimento individual, mas existe uma responsabilidade que precisa de uma consequência e essas escolhas que foram feitas, geraram também, em contrapartida, sofrimento para terceiros. Pode parecer um argumento muito populista, mas esses crimes contra a administração pública, de desvios de bilhões e bilhões tem um impacto na vida cotidiana dos cidadãos também, significativos não só em matéria de servições ou obras que, às vezes, o Estado falta recursos ou mesmo na cobranças de tributos para poder fazer frente a demandas públicas e não tão públicas.

O senhor se dá por impedido de responder algumas perguntas porque o caso ainda está em andamento? Quando o caso terminar o senhor irá falar abertamente?

É uma dúvida. Acho que um juiz deve manter uma postura de certa descrição, mas também acho que é interessante para vir desmistificar algumas colocações.

Por que o senhor aceitou este convite?

Às vezes, eu sou responsável de uma forma que talvez não seja muito correta. Acho que é interessante ter o contato, eu não sou nenhuma besta-fera. Acredito que tudo que eu decidi nesse processo eu tenho como justificar, só acho, também, que minhas decisões são cansativas porque são longas. As justificativas estão lá escritas. Não tem porquê ficar falando. Quando o processo acabar, terá mais liberdade para falar, mas não sei se tem necessidade. Está tudo escrito. E não adianta me criticar sem ler.

Como eu disse, eu sou só uma peça. Tem Polícia Federal, Ministério Público… Hoje, no Judiciário existem várias instâncias trabalhando, Então, às vezes, eu acho que existe uma focalização excessiva na minha pessoa, o que não é um retrato exatamente correto do meu papel dentro do processo. Acho que meu papel é relevante, mas existem vários outros personagens com papéis igualmente relevantes.

O 10º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo é uma realização da Abraji e da Universidade Anhembi Morumbi com o patrocínio do Google, O Globo, Estadão, Folha de S. Paulo, Gol, Itaú, Oi, TAM, Twitter e UOL, e apoio da ABERT (Associação Brasileira de Rádio e Televisão), ANJ (Associação Nacional de Jornais), Comunique-se, Conspiração, Consulado Geral dos Estados Unidos no Brasil, FAAP, Fórum de Direitos de Acesso à Informações Públicas, Jornalistas & Cia., Knight Center for Journalism in the Americas, OBORÉ Projetos Especiais, Textual e UNESCO. Desde sua 5ª edição, a cobertura oficial é realizada por estudantes do Repórter do Futuro, sob a tutela de coordenadores do Projeto e diretores da Abraji.

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