sexta-feira, 3 de julho de 2015

Em crise, jornais impressos veem na tradição e na credibilidade a 'luz no fim do túnel'

Por Beatriz Atihe

Foto: Beatriz Sanz
Foto: Beatriz Sanz
O escritor britânico George Orwell dizia que a função do jornalismo é publicar aquilo que ninguém quer que seja publicado. A máxima foi usada pelo diretor de conteúdo do Grupo Estado, Ricardo Gandour, para explicar a relação da profissão com a sociedade nos dias de hoje. "Vivemos em uma sociedade em que tudo precisa dar certo e o jornalismo atrapalha. Conviver com o jornalista é conviver com o incômodo", disse no 10º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo, em São Paulo.

Gandour falou do futuro dos jornais impressos, ao lado de Ascânio Seleme, diretor do jornal O Globo, e de Vinícius Motta, secretário de redação da Folha de S. Paulo. A marca registrada do papel, para eles, é a credibilidade e a qualidade do conteúdo. Em uma época, na qual a internet e as mídias sociais têm ganhado cada vez mais espaço, eles acreditam que o modelo de negócio mudou e precisa ser adaptado a um novo público.

Para Gandour, um fenômeno que precisa ser discutido é a fragmentação da atenção causada pelos novos meios. "Esse fenômeno afeta tanto o lado da demanda quanto o da oferta. Por exemplo, o anunciante fragmenta mais sua verba e, com isso, o modelo de negócio", disse.

O jornalista ressaltou ainda o enfraquecimento da credibilidade da produção jornalística nas redes sociais. "O jornalismo é a disciplina da verificação e na internet você acaba encontrando textos sem as técnicas jornalísticas. Rumores são publicados sem serem apurados, aspas de organizações são colocadas sem serem averiguadas".

Seleme afirmou que a internet permite que as pessoas escrevam sobre qualquer assunto. "Muitas vezes, as pessoas não têm conhecimento sobre o que estão escrevendo. Então, cabe aos jornalistas colocarem os filtros no que é possível encontrar nesse meio."

Na opinião dele, existem algumas alternativas para enfrentar a crise como o aumento da produtividade com a otimização dos recursos, um planejamento sério, métricas e o domínio da tecnologia. "Os jornais precisam conhecer melhor o seu leitor, fazer apostas no conteúdo e ter qualidade". Seleme acredita que a luz no fim do túnel existirá enquanto os veículos forem portáteis e móveis. "Além de impresso, somos áudio, blogs, gráficos. Somos todas as plataformas dentro do conteúdo. Somos notícia e é isso que vamos buscar."

Ao comentar sobre a diferença entre o impresso e o digital, o jornalista afirma que é o conteúdo diferenciado. "Buscamos dar ao leitor aquelas reportagens fora da pauta, que ele não vai encontrar entre os jornais". Foi nesse sentido que o jornal carioca apostou na criação de uma equipe exclusivamente dedicada à produção do impresso.

Questionado sobre como seria o jornalismo sem o impresso, o secretário de redação da Folha de S.Paulo, Vinicius Motta, disse que isso desvalorizaria o jornalismo. "O impresso não pode acabar sem destroçar uma redação. Metade da força de trabalho não poderia ser empregada. A ideia de preservar o papel é constante e tem o respaldo do público".

Motta reitera que os veículos estão passando por uma crise adaptadora, mas diz ter certeza da sobrevivência dos grandes jornais. "O que é claro para nós é que o produto impresso precisa ser adaptado às novas demandas do público, às novas características da sociedade, à velocidade, à fragmentação. Mas nosso objetivo central é manter o papel para aproveitar o lado bom dessa transformação e os mecanismos que ela oferece".

O 10º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo é uma realização da Abraji e da Universidade Anhembi Morumbi com o patrocínio do Google, O Globo, Estadão, Folha de S. Paulo, Gol, Itaú, Oi, TAM, Twitter e UOL, e apoio da ABERT (Associação Brasileira de Rádio e Televisão), ANJ (Associação Nacional de Jornais), Comunique-se, Conspiração, Consulado Geral dos Estados Unidos no Brasil, FAAP, Fórum de Direitos de Acesso à Informações Públicas, Jornalistas & Cia., Knight Center for Journalism in the Americas, OBORÉ Projetos Especiais, Textual e UNESCO. Desde sua 5ª edição, a cobertura oficial é realizada por estudantes do Repórter do Futuro, sob a tutela de coordenadores do Projeto e diretores da Abraji.

Um comentário:

  1. José Tadeu Gobbi3/7/15 20:32

    Ainda uma visão bastante analógica do consumo de informação no mundo digital. Insistir num modelo industrial de geração, produção e distribuição da informação é um suicídio. Não há luz no fim do túnel. O digital demoliu o muro das linguagens. A imagem, o vídeo, o texto e o áudio, separadamente, compartimentadamente, criaram a necessidade do modelo atual com o impresso, rádio, TV, cinema, etc. A internet integrou todas as linguagens numa só plataforma. A informação pode ser gerada utilizando-se todas as linguagens e distribuída em tempo real, numa altíssima velocidade para um universo absurdo de pessoas em qualquer lugar do mundo. Um jornal na internet não é mais só local, não fica mais restrito geograficamente ou limitado ao texto e foto. A audiência é planetária se você entregar a informação em vários idiomas e gerar interesse para alcançar esta audiência. Caíram as fronteiras, todas elas. As fronteiras geográficas, de linguagem e da comunicação. O grande dilema é superar um processo industrial com custo altíssimo mas rentável até pouco tempo atrás e gerar valor neste novo processo pós industrial de geração e distribuição de informação. O caminho, talvez, seja dominar todas as linguagens e engajar este novo ser digital conhecido pela alcunha de leitor com todas as ferramentas do jornalismos de qualidade. É preciso praticar empatia. Talvez a audiência não queira mais andar em charretes movidas por tração animal e esteja fascinada pelo novo veículo movido a motor. Fascinada em ter mais controle sobre o veículo, determinar sua velocidade, sua segurança e sobretudo com a sensação de independência que a novidade lhe entrega. Observe que as conveniências do novo veículo induziram este leitor a investir mais dinheiro na novidade do que investiam no antigo modelo.

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