sábado, 4 de julho de 2015

Cobertura de guerras, desastres e epidemias requer iniciativa e coragem do repórter

Por Luana Freire


Foto: Bruno Martins
Para fazer "coberturas extremas" o interesse tem de partir do jornalista e não do veículo de comunicação em que trabalha. É o que aconselham Patrícia Campos Mello, repórter-especial da Folha de S. Paulo e Luiz Antônio Araújo, editor do jornal Zero Hora, que discutiram o trabalho de reportagem no exterior no 10º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo, hoje, em São Paulo.

"O repórter tem de correr atrás, mostrar para seu editor o que quer e qual sua proposta", afirma Patrícia, que no ano passado, ao lado do repórter fotográfico Avener Prado, ficou por doze dias fazendo a cobertura especial sobre a epidemia de ebola, em Serra Leoa.

Com a crise financeira das redações, tornou-se fundamental ser proativo, de acordo com os jornalistas. "Se vocês forem esperar alguém mandá-los para algum lugar, vão esperar sentados", afirma Patrícia.


Foto: Bruno Martins
A princípio, quando a epidemia de ebola estava no início, a Folha não quis ir até Serra Leoa, conta a repórter. No entanto, com o agravar da situação no país, a jornalista teve sinal verde da direção do jornal para a viagem.

Para Patrícia e Luiz, na cobertura internacional é essencial que todo jornalista tenha um "fixer" – uma pessoa de confiança que fale o idioma local, saiba os costumes, onde levar o repórter, seja uma espécie de "tradutor de culturas", como define Patrícia.

Antes de viajar, ela entrou em contato com um grupo de jornalistas de Serra Leoa por meio do Facebook, e foi pela rede social que conseguiu o 'fixer' e seus personagens. "O Facebook é uma ferramenta maravilhosa, faz você ter contato com o mundo todo, foi o que me ajudou", conta.

Além disso, ela também fez contato com o embaixador, a equipe dos Médicos sem Fronteiras (MSF) e  pesquisou muito sobre o assunto. Patrícia e Avener se preveniram antes de partir, tomaram um coquetel de vacinas e fizeram tratamento preventivo contra a malária, por a doença ter os sintomas parecidos com o ebola, Centro de Humanizações do Hospital das Clínicas, em São Paulo.

A maior parte da cobertura sobre o ebola aconteceu em Kailahun, no leste do país, onde os Médicos Sem Fronteira montaram um hospital no meio da selva para atender pacientes com a doença.

Em Kailahun, a repórter entrevistou uma médica italiana, que estava trabalhando no hospital do MSF, e contava ter pesadelos com os doentes. "Ela dizia: 'Todas as noites eu sonho que estou atendendo um paciente e alguém vem e vomita no meu pé ou estou em atendimento e minha luva fura. O ebola é uma doença muito ingrata'".

Patrícia, diz ter subestimado a situação da epidemia na África no início, ao contrário de seu colega de cobertura. No entanto, as coisas mudaram ao passar dos dias, conforme foi vendo pessoas doentes e perdendo toda a família.

"Quando você vai fazer essas coberturas, tudo o que quer, é conhecer as pessoas, saber de onde elas são, criar empatia, mas como fazer isso se você tem que ficar a um metro e meio de distância das pessoas? É muito complicado", diz Patrícia. "As pessoas são legais, as crianças são lindas, mas você tem medo", desabafa.

Araújo recentemente produziu o especial "Califado do Terror", em que foi à fronteira da Síria com o Iraque para investigar as origens do ISIS (Estado Islâmico no Iraque e na Síria). O jornalista também usou grupos do Facebook para conhecer jornalistas e "fixer" locais antes de partir. A iniciativa de se aventurar, assim como com Patrícia, partiu dele. "Tem que ter foco e interesse em saber por onde começar", diz. 

Um dos apuros de Araújo no país foi quando marcou de entrevistar um capitão do Exército Sírio. Ele se assustou ao encontrar várias pessoas o esperando para interrogá-lo no local. "Quando cheguei na casa, estava lotada e então começaram a fazer perguntas sobre o meu celular, minha vida, falavam coisas do Brasil em árabe", conta. Para Araújo, ser brasileiro pode ter o favorecido nesse momento. No interrogatório, ele foi questionado sobre o que faria em situações semelhantes no Brasil. "Mas eu levei a entrevista até o final e respondi todas as perguntas", conta.

O editor do Zero Hora, aconselha aos jornalistas que desejem seguir seus passos a estudar idiomas e se aproximar da cultura do país. Patrícia conta que, se o repórter só falar inglês, terá dificuldades, pois só falará com um extrato da população, o que pode distorcer toda a cobertura.

Os repórteres concluíram com um conselho: os jornalistas devem se preparar para o pior antes de embarcar em uma viagem para uma região de conflito. Desconfiar de tudo e de todos é outro fator, mesmo que seja o próprio "fixer", o dono do hotel, o Estado, os entrevistados.




O 10º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo é uma realização da Abraji e da Universidade Anhembi Morumbi com o patrocínio do Google, O Globo, Estadão, Folha de S. Paulo, Gol, Itaú, Oi, TAM, Twitter e UOL, e apoio da ABERT (Associação Brasileira de Rádio e Televisão), ANJ (Associação Nacional de Jornais), Comunique-se, Conspiração, Consulado Geral dos Estados Unidos no Brasil, FAAP, Fórum de Direitos de Acesso à Informações Públicas, Jornalistas & Cia., Knight Center for Journalism in the Americas, OBORÉ Projetos Especiais, Textual e UNESCO. Desde sua 5ª edição, a cobertura oficial é realizada por estudantes do Repórter do Futuro, sob a tutela de coordenadores do Projeto e diretores da Abraji.

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